domingo, 21 de novembro de 2010

Autoconhecimento


O tema do auto-conhecimento é muito vasto, e admito que também é um dos meus preferidos. Tenho pensado e rezado muito sobre o conhecer-me a mim mesmo e como isso tem sido fonte de compreensão, perdão, desejo de me aventurar e de ser melhor. Conhecer-se a si mesmo não é apenas uma questão de fazer uma lista de qualidades e defeitos, ou fazer algum teste de personalidade. Estas coisas ajudam, mas correm o risco de permanecer à superfície e não nos faz cair na conta daquilo que verdadeiramente somos. Cada pessoa é um mundo diferente e estaria a perder-me se quisesse falar de tudo, pelo que resolvi apontar algumas coisas que fui lendo e pensando, e acho que se podem aplicar a cada pessoa, ao menos como início de um caminho para se conhecer melhor.


A própria expressão "conhecer-se a si mesmo" indica que existe uma distância entre o eu que conhece e o eu que é conhecido. Vamos conhecendo partes de nós, sem nunca conseguir conhecer-nos completamente. Acredito que sou um mistério para mim mesmo, e este é inesgotável, perigoso, fascinante, digno de todo o amor. Este mistério encontra-se dentro de nós, o espaço meu onde realmente sou aquilo que sou. E como posso chegar lá?



Uma descrição do homem interior que sempre me interpelou é a seguinte: eu sou homem psiquico, homem racional e homem espiritual. Ou, em termos mais complicados, e mais personalizados, mas que explicam a mesma coisa: animus, anima e spiritus. Estas três coisas não são três partes diferentes, como se me pudesse dividir em estratos, mas são modos de funcionamento daquilo que sou, a minha origem e para onde quero caminhar.


Animus é a parte que conheço de mim todos os dias, como vejo que me comporto, como leio a minha história, os meus defeitos e qualidades óbvias. É o que, de algum modo, me faz agir, a minha parte mais consciente, a que estámais imediatamente em contacto com o mundo à minha volta.


Anima é a parte de mim que responde ao bem, que me move para as coisas bonitas, que me faz sair de mim. Entre animus e anima, existe muitas vezes conflito. Sei o que é bem, e não o faço, sei que estou a fazer mal e não deixo de o fazer. Li num texto que a anima é como a dona de casa que procura cuidar e arrumar as coisas. Animus entra em casa e toma posse dela, é muitas vezes egoísta, e vence anima com palavras bonitas e boas justificações. Temos sempre justificações para fazermos o que queremos, mesmo que saibamos que não é bom.


Spiritus é a parte mais interior de mim, aquela que anima contempla e onde arranja forças para suportar, acolher, cuidar e transformar animus. Spiritus é tudo o que nos arrasta para o amor, que nos faz livres, não esperar recompensa, de nos dar sem medida e encontrar nisso a maior alegria. E é no spiritus que encontramos a parte mais débil e, ao mesmo tempo, mais poderosa de nós. É débil porque o amor não existe sozinho, e quando a anima é incapaz de encontrar spiritus e de o amar e ser amada por ele, perde força para ajudar animus a abrir-se também ele ao amor. E é a parte mais poderosa, quando eu percebo que o amor que tenho é mim é um dom, dado em medida inesgotável. Amo porque sou amado e tenho consciência que nunca poderei dar tanto amor como aquele que recebo. Mas procuro corresponder com todas as minhas forças, no fundo amar é o que há de mais natural em mim. E é neste movimento e neste lugar onde Deus está.


Procurando simplificar: O auto-conhecimento, ao menos como eu o percebo, está em olhar estas três dimensões e ver aquelas que têm mais força. Sabendo que a minha autenticidade está no amor, que passa pelo querer fazer o bem, e fazê-lo de facto. Quando spiritus, anima e animus trabalham no mesmo movimento, sou aquele que sou. Se a determinado ponto se quebra esta corrente, posso perguntar-me onde está a raiz disso. Encontrá-la, percebe-la, ama-la e recomeçar...


Sou um mistério para mim mesmo, e talvez seja possível que os outros me conheçam melhor que eu próprio. Talvez porque tenho espaços em mim dos quais penso que tenho o direito absoluto a ser o único explorador. Triste e iludido. E estes espaços são tantas vezes quartos escuros, fechados à chave. Tornei-me dono das minhas próprias prisões. Acredito que damos uma importância excessiva à pouca luz que temos, comparada com a dos outros. Ou ao modo pouco brilhante como estamos perante a Vida, quando sabemos bem que ela nos exige que sejamos sóis luminosos.


Conhecer-me é abrir os olhos e os braços ao que está em mim e fora de mim. Mas às coisas sérias e bonitas, no fundo, as únicas que são realmente... É ser capaz de abrir os lugares escuros e perceber que os monstros são formigas... é deixar que um fogo aqueça a casa. É olhar pela janela da alma e ver que estou na proa, e tenho diante de mim aquela paisagem que nunca pensei ver. Porque estamos continuamente a pensar que estamos bloqueados, traumatizados, condicionados?


Quando aquilo que sou é vento que enche as velas de um barco, a cor onde o artista mergulhou o pincel, a música que faz chorar alguém de consolação. É entre a coragem e a luz que me situo e existo... as minhas sombras são marionetes ridículas, só fazem aquilo que eu faço quando olho o sol... não têm um mínimo de vontade própria.
 
Neto Quirino

Um comentário:

  1. É, somos um mistério fascinante, perigoso, inesgotável para nós mesmo.
    Valeu Tinho por postar coisas assim, onde nos ajuda e faz-nos indentidade com nosso eu.
    Massa, amei de verdade!
    Deus abençoe.

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