segunda-feira, 26 de março de 2012

Semana Santa


Tudo o que tem peso e densidade exige espaço onde ficar e permanecer. Entra sem avisar, impõe-se em dignidade e respeito. Existe, manifesta-se. O mistério não pertence às coisas etéreas ou impossíveis, se não, nem sequer nos levantaria questões, nem precisaríamos de fazer perguntas.

Porque é mistério, não se explica. Mostra-se, permite e obriga a uma espécie de ruptura. É quase incômodo suave e persistente, um esboço do sonho que um dia poderei ver concretizado. Um desejo que começa a ganhar carne.

É significativo que este tempo do mistério apareça numa semana que se chama santa. Porque é próprio de Deus exibir-se de modo fascinante: pão que se parte, mãos que lavam os pés, uma cruz levantada, uma luz a despertar no meio da noite mais escura. O mistério vai acontecendo. O Santo fala de Si mesmo. 

Neto Quirino

quinta-feira, 22 de março de 2012

Promessas

Até que ponto construímos o nosso futuro a partir de promessas? Tenho a impressão que há muito poucas coisas na nossa Vida as quais lhes tenhamos dado esta importância. Um contrato de trabalho ou um teste exigem de nós um compromisso e uma série de deveres. Mas nunca nos passaria pela cabeça prometer ao patrão fazer tudo o que ele nos quiser mandar. Quando prometemos, estamos afetivamente envolvidos, voltar atrás seria falhar algo sério com alguém, ou com nós mesmos.

Uma promessa é um risco. E pergunto-me o que estará no fundo de nós que nos torne possível garantir um espaço do nosso futuro a favor de alguém ou de alguma coisa. De certa maneira, alguém toma conta de mim, não pertenço só aos meu desejos, mas faço parte do sonho de alguém, que sem mim não o poderá realizar.

E se tenho tantas dificuldades em, por vezes, prometer a mim mesmo vir a ser melhor, não desisto de arriscar coisas boas minhas. Com todas as consequências, nem que seja para toda a Vida. Isto supera-nos completamente. Prometer é desenhar na areia uma palavra que quer ser definitiva. Que a primeira maré apagará. Mas permanece o movimento da alma que me permitiu um dia ser gigante. E isto é exigente, mas é darmos todo o espaço à eternidade de que somos feitos.
Neto Quirino

quarta-feira, 21 de março de 2012

As certezas

Vivemos constantemente entre passagens, faz parte do caminho de cada dia e do caminho da vida. Passamos de um lugar a outro, de uma relação a outra. Sobretudo alternamos emoções e pensamentos, um mundo complexo que se desenha velozmente como se não fôssemos donos dos traços que fazemos numa folha em branco.

Existem momentos em que temos a possibilidade de ir além do que está diante de nós. Um desses momentos é o final do dia, a irresistível cor do fim da tarde. Esta é uma passagem do dia para a noite, o adormecer tranquilo das nossas atividades interiores. As cores do fim do dia escondem segredos e abraços profundos, que constituem as nossas histórias apaixonadas e as palavras que expressam o que nos vai na alma.

Expressar qualquer coisa de amor nas nossas vidas é uma aventura que nos leva para espaços desconhecidos. Dizer que se ama compromete-nos, porque a palavra é a resolução de uma história, um ponto de consciência que significa uma mudança total da nossa vida. Esta é uma certeza, sentir e fazer sentir amor é a criação de um espaço onde estamos radicalmente, onde nunca mais poderemos deixar de estar.
 
 Neto Quirino

terça-feira, 13 de março de 2012

Vento


Perguntaram-me no outro dia qual era uma das minhas metáforas preferidas. É difícil, porque normalmente associo imagens a estados de espírito, que mudam consoante o humor e aquilo que tenho presente no momento. Mas creio que uma das mais constantes é o vento.

O vento é mistério, alívio, e originalidade. É algo que passa sem tomar conta de nada. Esquece-se rapidamente. É um momento de toque da Natureza. Para mim tem um significado de recordações. Um vento quente do fim da tarde traz o calor do dia e sua história. Que passou por mim, fez-me e continuou.

O vento traz-me lembranças e desafia-me a ser livre e despojado. Muitas vezes trazemos aos ombros coisas tão pesadas que nunca levaríamos para encontros fundamentais. No encontro conosco mesmo, o vento purifica, torna mais ligeiro, olha mais para o futuro que para o presente. Perde e encontra ao mesmo tempo, porque pôe cada coisa no seu lugar certo.

Neto Quirino

terça-feira, 6 de março de 2012

O que falta


Estes dias tenho estado em contato com uma sensação. Este tempo de Quaresma pode ser mesmo um desafio enorme, se deixarmos que as perguntas surjam com naturalidade, sem ter medo delas, mas vê-las como caminhos de certeza, rumo a nós próprios.

Porque é tão fácil termos medo das coisas melhores que temos...

A Conversão está ligada a uma verdade e a um desejo. Tenho-a feito para mim mesmo assim: Que me falta para ser perfeito? É uma mesma verdade, a daquilo que me falta e a da possibilidade de a ter agora. É um grande desejo que se joga numa opção por coisas concretas.

Para ser perfeito, falta-me um coração mais simples, mais encantado. E isto é muito consolador. Se tenho um bom desejo de simplicidade e encanto com a Vida, é porque tenho um coração capaz disso. Isso é um dom, só me falta acertar com a minha possibilidade, já dada, de perfeição.

Neto Quirino