Sob muitos aspectos, a questão de testemunhar a Cristo na nossa cultura atual será uma pergunta diária e um desafio constante para aqueles cristãos que se preocupam em marcar alguma diferença, no meio em que vive.
É fácil cair instantaneamente em discursos mais moralistas, que acabam já por ser lugares-comuns, que podem ter tanto de razão como de injustiça. Frases do gênero "vão à missa e são piores do que os outros" acaba por ser um refrão que não me agrada. Por dois motivos: porque, de fato, podemos ver que cumprir uma série de preceitos de religião acaba, em alguns casos, por estar muito desligado das opções e do estilo concreto de vida; e, por outro lado, não me agrada porque é extremamente redutor e coloca as pessoas que vão à missa todas "dentro do mesmo saco", como quem fala de fora, sem experiência, o que me parece sempre pouco honesto.
A grande questão está, a meu ver, naquilo que poderemos chamar o carácter performativo do ser cristão. O que "forma" o cristão, o que identifica um cristão, qual a sua essência? O mais difícil de explicar é que tudo, em resumo e no essencial, se condensa no fato de que ser Cristão é pertencer a Cristo de modo total. Ir à missa, cumprir os mandamentos, viver segundo as orientações da Igreja é apenas a parte externa - e sempre importante - daquilo que interiormente se vive.
O que define o cristianismo, desde a sua origem é o fato de que Deus se manifesta e comunica como Pessoa, em Jesus. E se existem pessoas, existem relações. O cristianismo é uma religião de tato e contato, de olhar, ouvir, dialogar, caminhar juntamente. É a religião que fala através do gesto, em que a Palavra é Carne, em que dizer e fazer coincidem. Ao cristianismo pertence uma extraordinária força de síntese e comunhão, de unificação da vida naquilo que é fundamental, o amor que se expressa e concretiza em tudo.
O amor de Deus não é um conceito, mas sim uma experiência. Sem oração, não se tem essa experiência, sem arrependimento, não há conversão, sem amor, não há serviço. Daí que o cristão é essencialmente um apaixonado pelo Deus que conhece, e, por isso, é um apaixonado pela vida, é responsável pela felicidade dos outros.
O cristianismo é frequentemente criticado, e com razão, por uma forma "burguesa" de estar, quando se chega ao ponto de ficar instalados no que se conhece, e aí as regras começam a funcionar como critérios de pertença, sem que isso implique necessariamente uma adesão de fundo, profundamente espiritual e existencial. No fundo de tudo isto, fica instalado um dualismo entre o que se é e o que se faz. Está a falhar qualquer coisa importante.
Um cristão centrado em Cristo vê as regras como uma consequência, porque apreende existencialmente o seu sentido: a missa é participação em comunidade do mistério da presença de Deus no meio de nós e da comunhão que isso implica. As regras nascem de uma percepção da responsabilidade que cada um tem na qualidade humana do seu modo de estar na vida e nas relações, marcadas pela verdade, compromisso e transparência. A justiça, a honestidade e a solidariedade não são "modas sociais" mas a necessidade que cada pessoa seja respeitada na sua dignidade, como um irmão, o não ser capaz de tolerar estar bem, vivendo ao lado de situações de injustiça e dor.
Toda a coerência de vida cristã nasce desta relação que me identifica com Jesus. E preenche de tal modo a vida que me torna capaz de superar as críticas, as incompreensões, o não fazer como todos fazem. Marcar a diferença pela autenticidade de vida é um desafio difícil, mas quem realmente quer viver assim, também não lhe faltará a graça para o conseguir. No fundo, um cristão é um místico, e a mística não está, de todo, reservada a quem está fechado num convento ou fugiu para o deserto.
Neto Quirino
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